sábado, 10 de setembro de 2011

Quem precisa citar fontes?

O geógrafo Herivelto Soares da Costa me enviou por email um comentário que complementa o que eu escrevi no post A retórica rasteira de Milton Santos. Eu havia comentado com ele que, quando Santos percebeu que qualquer coisa que ele dissesse ou escrevesse seria acatado pelos geógrafos e intelectuais críticos sem questionamentos, aproveitou-se disso para fazer retórica anticapitalista sem ter que se dar ao trabalho de apresentar evidências empíricas para provar suas afirmações. Herivelto complementou essa avaliação ao lembrar que Santos chegou a dispensar-se até de apresentar evidências documentais, conforme segue:

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Oi, Diniz

Conforme conversamos ontem, olhe a justificativa de Milton Santos por não citar referências em sua obra Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal: "Diferentemente de outros livros nossos, o leitor não encontrará aqui listagens copiosas de citações. Tais livros enfocavam questões da sociedade, verdadeiras teses, isto é, demonstrações sustentadas e ambiciosas, dirigidas sobretudo à seara acadêmica, levando, por isso, o autor a fazer, ao pequeno mundo dos colegas, a concessão das bibliografias copiosas. Todo mundo sabe que esta se tornou quase uma obrigação de scholarship, já que a academia gosta muito de citações, quantas vezes ociosas e até mesmo ridículas. Sem dúvida, este livro também se dirige a estudiosos, mas sobretudo deseja alcançar o vasto mundo, o que dispensa a obrigação cerimonial das referências. Não quer isso dizer que o autor imagine haver sozinho redescoberto a roda; sua experiência em diferentes momentos do século e em diversos países e continentes é também a experiência dos outros a quem leu ou escutou. Mas a originalidade é a interpretação ou a ênfase própria, a forma individual de combinar o que existe e o que é vislumbrado: a própria definição do que constitui uma ideia". (SANTOS, 2000, p. 11,12)

Eis a comprovação daquilo que você disse, pois ele sabia que não seria contestado e por isso chegava ao extremo de não se basear em referências, chegando até a menosprezá-las e ainda pressupondo uma originalidade de interpretação própria, o que é usada como escusa.

Um abraço,

Herivelto
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EM TEMPO: Antes que alguém pense em desculpar Milton Santos alegando que, conforme ele esclareceu, o livro não se destinava apenas aos acadêmicos, eu aviso que é justamente ao se dirigir a um público mais amplo que a obrigação de corroborar as afirmações com evidências deve ser cumprida com maior zelo ainda. Afinal, a probabilidade de um especialista conhecer evidências que comprovem ou contradigam o que está escrito é sempre muito maior do que no caso de um leigo, de sorte que este último estará muito mais propenso a aceitar a autoridade do autor do livro como prova. Milton Santos sabia disso melhor do que ninguém.

OBS.: Publicado originalmente em 11 de julho de 2011, no site Geografia em Debate

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