sábado, 3 de setembro de 2011

A retórica rasteira de Milton Santos


Quando Milton Santos dizia que a pobreza estava aumentando, muitos intelectuais acreditavam sem nem se incomodarem com o fato de ele não citar estatísticas para corroborar tal diagnóstico. Nas raras ocasiões em que era questionado, Santos contava com essa falta de senso crítico de intelectuais ávidos pela comprovação de suas ideologias anticapitalistas para descartar as críticas com uma retórica rasteira e contraditória

De fato, num debate em que o urbanista Jordi Borja contestou a afirmação feita por Santos de que a pobreza estaria aumentando, este se justificou da seguinte forma:
O economicismo leva a dois impasses. O primeiro impasse é o da subserviência ao mandamento técnico. Isto é, a imposição ao reino da necessidade. E o segundo é que o economicismo acaba por dar um sério valor aos números e às séries estatísticas. Ora, eu não sei o que fazer com as séries estatísticas. O que é que eu faço? O que eu faço com as séries estatísticas é enfeitar o meu texto. Quando eu sugeri três momentos da produção da pobreza, é para mostrar que não se pode comparar um com o outro. Por conseguinte, dizer agora que tem gente menos pobre do que antes, o que é que eu estou dizendo? Nada! Mas estou enfeitando com uma série estatística, que parece legitimar o meu dito, quando na realidade aquele mesmo número tem um valor diferente em cada momento histórico - Santos, 2008.

De início, nota-se que o autor insere o termo "economicismo" no debate, mas o emprega fora do seu significado mais comum, que é o de designar as teorias que explicam os fenômenos sociais com base no determinismo econômico. Na fala de Santos, "economicismo" significa usar números que nada dizem sobre a realidade para convencer as pessoas de que o mundo não pode ser diferente porque a sociedade está subordinada ao "reino da necessidade", como se tal ideia carregasse algum argumento lógico para mostrar que as estatísticas são mistificadoras por si mesmas. Ademais, Borja nem sequer estava afirmando a inviabilidade das utopias com base em dados, mas apenas demonstrando que a pobreza diminuiu em lugar de aumentar. Nesse sentido, Santos desviou a discussão do ponto principal, que é a redução do número de pobres, e usou uma crítica ao "economicismo" para fazer de conta que estava apresentando uma refutação lógica contra as evidências dessa redução.

E isso sem falar que o argumento de Santos é contraditório com a sua própria obra, pois, se levar os números a sério implica ser "economicista", por que o autor fez uso de tantas séries estatísticas em seu livro O Brasil: território e sociedade no início do século XXI? As estatísticas são irrelevantes quando mostram que a situação dos pobres está melhorando, mas válidas quando o autor deseja provar que há lugares que mandam e lugares que obedecem? Outra contradição flagrante é que, se os períodos históricos fossem mesmo incomparáveis, Santos não poderia ter assegurado, em seu livro Por uma outra globalização, que a prioridade dada às importações e exportações vinha produzindo uma "ampliação do número de pobres em todos os continentes", já que a pobreza recente não poderia ser comparada com a antiga.

A verdade é que Santos afirmava estar havendo ampliação do número de pobres sem citar qualquer fonte por se ver na obrigação de lutar contra o capitalismo com todas as armas possíveis, inclusive truques rasteiros de retórica. Assim, quando um debatedor citava evidências que comprovavam estar havendo diminuição da pobreza, a única saída era responder que estatística só serve para enfeitar texto!

E, por incrível que pareça, há geógrafos que dizem que essa resposta de Milton Santos "destruiu" a crítica feita por Jordi Borja! Isso prova que os intelectuais empenhados em afirmar dogmas ideológicos anticapitalistas não precisam nem se dar ao trabalho de caprichar nos argumentos para ganharem fama nos meios intelectuais.  

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SANTOS, M. O futuro das megacidades: dualidade entre o poder e a pobreza. Cadernos Metrópole, n. 19, p. 15-25, jan./jul. 2008.

OBS.: Publicado em 20 de junho de 2011 no site Geografia em Debate

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