sábado, 15 de outubro de 2011

O segundo erro dos "melancias"

Adaptar as contestações românticas à economia de mercado ao debate ambiental é um equívoco que os “melancias” complementam com outro, cuja ascendência remonta à teoria econômica de Marx. 

Esse autor encampou e manteve as críticas do romantismo à “sociedade burguesa”, mas isso não quer dizer que tenha parado por aí. Após elaborar sua teoria econômica, sobretudo em O Capital, Marx tinha em mãos argumentos bem mais sofisticados, e apresentados como científicos, para atacar o capitalismo. E uma das conclusões fundamentais dessa teoria é que a produção capitalista obedeceria a uma lógica de extração de mais-valia e de acumulação de capital como um fim em si mesmo. O caminho usado pelos intelectuais e ativistas de esquerda para adaptar essa tese à problemática ambiental é, assim, bastante simples e direto: sob o capitalismo, o crescimento econômico contínuo torna-se um objetivo em si, o que esbarra na finitude dos recursos do planeta e beneficia apenas uma minoria da população mundial. 


O problema é que esses pressupostos estão errados. É perfeitamente razoável supor que, sendo os recursos do planeta finitos, cedo ou tarde teremos de impor um limite ao crescimento. Acontece, porém, que o crescimento ainda é essencial para combater a fome e a pobreza absoluta em escala mundial. Bem ao contrário do que pensam os adeptos das teorias de Marx, o crescimento econômico capitalista é benéfico, sobretudo, para os mais pobres! 

De 1981 a 2005, o número de habitantes de países em desenvolvimento que vive com menos de 1,25 dólares por dia, a preços de 2005, caiu de 1,9 bilhões para 1,4 bilhões. Assim, com o grande aumento populacional nesse conjunto de países durante o período em foco, o percentual de pobres foi reduzido de aproximadamente metade para um quarto da população! (Chen; Ravallion, 2008). Uma pesquisa um pouco mais antiga, e que fixa a linha de pobreza em um dólar por pessoa por dia, indica que, de 1984 a 2004, o percentual de pessoas com renda inferior a essa nos países em desenvolvimento foi reduzido de 33% para 18% (Ferreira; Leite; Ravallion, 2007). 

E a causa principal desse processo foi simplesmente o crescimento econômico, como demonstram diversas pesquisas internacionais. Com base numa amostra de 16 países, Martin Ravallion calcula que 64% da variação observada na queda da proporção de pobres de cada um deles se explicam pelas diferenças das suas respectivas taxas de crescimento econômico. Já um estudo do Banco Mundial referente a uma amostra maior de países estima que 52% dessa variação se deveram exclusivamente ao crescimento. A importância do crescimento econômico é predominante, sobretudo, quando se consideram períodos de tempo longos, chegando a responder por 71% a 97% da redução do número proporcional de pobres (Ferreira; Leite; Ravallion, 2007, p. 2-3). Assim, o crescimento econômico produzido pela economia de mercado cria uma tendência estrutural à redução da pobreza, embora a elasticidade da relação entre essas duas variáveis seja afetada significativamente por fatores econômicos, demográficos e institucionais, como se pode notar na comparação entre países ou entre diferentes períodos da história de um mesmo país, caso do Brasil (Ferreira; Leite; Ravallion, 2007, p.5). 

Não é o caso de analisar agora a razão de a teoria marxista se chocar tão frontalmente contra a realidade mostrada por esses números, pois não quero me alongar. Neste momento, o objetivo é apenas demonstrar que, ao contrário do que dizem os “melancias”, a continuidade do crescimento econômico é benéfica para os mais pobres e, portanto, absolutamente necessária. 

Mas não seria melhor estabelecer um modelo de desenvolvimento que reduzisse a pobreza com mais distribuição de renda, a fim de resolver esse problema sem a necessidade de consumir tantos recursos e gerar tantos impactos ambientais? Em tese, seria sim, mas tal modelo não existe e ninguém sabe dizer ao certo como ele deveria ser. É essa a resposta que a China vem dando a Celso Furtado e outros economistas que invocam a questão ambiental para propor a ênfase no distributivismo com menos crescimento. A resposta chinesa fica para o próximo post.

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CHEN, S.; RAVALLION, M. The developing world is poorer than we thought, but no less successful in the fight against poverty. The World Bank, Development Research Group, ago. 2008 (Policy Research Working Paper, 4703). Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1259575> Acesso em: 04 mar. 2009. 

FERREIRA, F. H. G; LEITE, P. G.; RAVALLION, M. Poverty reduction without economic growth? Explaining Brazil’s poverty dynamics, 1985-2004. The World Bank, Development Research Group, dec. 2007 (Policy Research Working Paper, 4431). Disponível em: <http:// papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1066223> Acesso em: 04 mar. 2009.

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