terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Há algo de podre na geografia agrária

Há alguns anos, redigi um parecer sobre um artigo enviado para uma revista científica e, embora eu tenha aprovado a publicação condicionada à realização de algumas alterações, o autor do trabalho enviou um e-mail à Comissão Editorial com críticas ao meu trabalho. A Comissão me enviou cópia do e-mail, o qual reproduzo abaixo (incluindo erros de português):

Me parece que o parecerista número 1 não leu o texto. Se o leu na íntegra o fez com juízo de valor e sua análise se baseou numa leitura superficial. Primeiro o que está em jogo não é demonstrar o número de camponeses no Brasil. O que se pretende no texto é demonstrar que boa parcela dos camponeses brasileiros tem procurado fugir da integração com a indústria. Não sou eu quem está levantando essa hipótese de forma idealista, são eles, os camponeses que estão buscando alternativas para se reproduzirem no campo. Neste sentido, a minha reflexão parte dessas estratégias que eles estão criando para fugir dos mecanismos formais do capitalismo, daí a crítica que faço a Abramovay (1998). Segundo Milton Santos não se constitui num paradigma da questão agrária. Utiliza-se Milton Santos no sentido de demonstrar que o aprofundamento do capitalismo sobre as relações sociais tende aumentar as desigualdades sociedades, que ele denomina de globalização perversa. Os camponeses não fogem dessa lógica do capital. Todavia, o parecerista não percebe que no decorrer do texto estou esboçando três paradigmas teóricos que tem norteado as pesquisas sobre o campo brasileiro. Terceiro, é praticamente inacreditável que o parecerista em sua análise afirma que o conteúdo do artigo é pouco relevante para a geografia. Será que a luta diária desses camponeses para se reproduzirem no campo sob a égide da exploração capitalista personificada no capital industrial, comercial e financeiro, não é importante para a geografia?
Acredito que a revista deveria rever a forma de avaliação de alguns de seus pareceristas.
É óbvio que eu escrevi uma resposta e a enviei à Comissão Editorial para que fosse encaminhada cópia ao autor. Mas vou deixar essa resposta para o próximo post, a fim de não me alongar demais agora. Por enquanto, pergunto apenas o seguinte: o que há de podre na geografia agrária ou rural brasileira e que se revela nessa mensagem?

2 comentários:

  1. Lembro-me perfeitamente uma questão que abordei com o senhor um dia em sala de aula ainda: qual a possibilidade de determinada metodologia (agora me é mais claro, trata-se de ideologia!) engessar a mente do pesquisador a ponto deste fazer "malabarismos" em seu trabalho/pesquisa de modo a adaptar, encaixar suas conclusões a mesma? Hoje me parece bem evidente que, infelizmente, a Geografia no Brasil pouco avança, e o pior, perde espaço diante de outras ciências. O ranço ainda persiste e limita a evolução de uma Ciência tão apaixonante como a Geografia. Lamentável!

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  2. De fato, Fabricio, é perfeitamente possível um pesquisador se aferrar a determinado método ou teoria até o ponto de ignorar ou distorcer as evidências empíricas para ver suas convicções confirmadas. No caso da geografia atual, que segue as abordagens da teoria social crítica, não há separação entre teoria, método e ideologia. Isso está bem nítido na crítica do autor, conforme você notou.

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