domingo, 18 de março de 2012

O sucesso do economicismo na geografia

No post anterior - Carlos Walter mudou para ficar a mesma coisa - um leitor me perguntou a razão de eu afirmar que o economicismo ficou difícil de defender após a derrocada socialista se esse modo de pensar continua a ser tão influente. Vou tentar responder sem delongas.

Primeiramente, é preciso notar que a popularidade dessas velhas teses marxistas varia muito de um país para outro. Como já lamentou o filósofo Ruy Fausto (que é socialista): "[no Brasil] o marxismo é muito vivo, enquanto na Europa ele está morto – e nenhuma dessas atmosferas me satisfaz muito” (Fausto, 2002). Em segundo lugar, conforme eu digo no livro Quebrando a corrente: por uma crítica da geografia atual (*), o marxismo já vivenciava uma crise teórica e prática profunda havia cerca de vinte anos quando a geocrítica tornou-se hegemônica na geografia brasileira. 


De fato, já no final dos anos 1970 e início dos 1980 o socialismo real se mostrava um mosaico de regimes totalitários cujas populações padeciam de diversas formas de privação, provocadas por sistemas econômicos ineficientes, desconectados das demandas dos consumidores e com crescente defasagem tecnológica em relação ao ocidente. Em contraste, os países capitalistas desenvolvidos avançaram imensamente em termos econômicos, sociais e políticos, e até mesmo na chamada "periferia" houve diversos países que lograram avanços econômicos e sociais expressivos, como é o caso do Brasil.

Como então a geocrítica conseguiu se firmar se a teoria social crítica já estava defasada nessa época? Embora seja difícil apresentar uma explicação fechada para um fenômeno como esse, é perfeitamente possível indicar alguns fatores que certamente contribuíram para tanto. As razões que eu apresento no livro são as seguintes:
  • Devido à repressão política vigente no período militar. Tudo o que a ditadura defendia, mesmo quando se tratava de ideias econômicas perfeitamente razoáveis, podia ser facilmente descartado por vir de um regime ilegítimo.
  • Por causa da fragilidade histórica do liberalismo político no Brasil. Como os valores democráticos sempre foram pouco enraizados em nossa cultura, a oposição de professores e acadêmicos à ditadura assumiu a forma de um anticapitalismo autoritário e simplificador. A maioria deles combatia a ditadura militar em sala de aula apenas por almejar substituí-la por uma ditadura socialista, não em nome da democracia.
  • Em virtude da doutrinação teórica e ideológica de esquerda que esses professores começaram a praticar em sala de aula e nos livros didáticos à medida em que iam ocupando posições nos três níveis do sistema de ensino.
Esse último fator pode parecer teoria conspiratória, mas as evidências da doutrinação abundam, conforme já demonstrei aqui e aqui. Na verdade, o descolamento entre a realidade, de um lado, e as teorias e conteúdos didáticos inspirados pela geocrítica, de outro, já eram tão gritantes na década de 1970 que é possível afirmar que a doutrinação jogou um papel decisivo na construção da hegemonia dessa corrente. Era isso o que eu mostrava, por exemplo, naquele artigo que a Conhecimento Prático Geografia ignorou.

Finalmente, podemos acrescentar uma explicação que eu não pus nesse livro: a de que o economicismo e maniqueísmo próprios do marxismo vulgar e de outras correntes da teoria social crítica são um caminho para suprir a dificuldade histórica da geografia humana para produzir teorias gerais a partir do estudo de complexos de fenômenos em integração. O determinismo ambiental não deu muito resultado, então a ótica totalizante do marxismo, as leituras simplificadoras da teoria da luta de classes e o economicismo cumprem a função de produzir explicações claras e abrangentes assentadas na noção de causa e efeito. Ao menos é essa a minha leitura das entrelinhas do texto Um lugar para a Geografia: contra o simples, o banal e o doutrinário, de Paulo César da Costa Gomes, conforme eu comentei aqui.

Enfim, minhas explicações são essas.

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(*) Esse livro acabou sendo publicado em 2013 com o título Por uma crítica da geografia crítica.

FAUSTO, R. Da fundamentação à crítica do marxismo. Cult, ano VI, n. 61, set. 2002, p. 28. Entrevista a Francisco Alambert.

3 comentários:

  1. No fundo, a esperança de construir teorias totalizantes é um viés anticientífico bem próprio do século XIX. Como a geografia brasileira recusou o neopositivismo, pode-se dizer que o não é marxismo é "positivismo" comtista. Isto é, o século XIX é agora. Teorias parciais para explicar fenômenos específicos ainda são vistas como coisas alienantes na geografia. É como se fosse necessário construir uma teoria especial geral, ao invés de aceitar a geografia como uma parte das ciências sociais mais desenvolvidas, sociologia e, sobretudo, a economia. Enquanto isso não mudar, nada muda. Excelente post, Diniz.

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  2. Professor, lendo seu post, gostaria de saber, quanto ao último fator apontado, o que o senhor acha da, ou se o senhor concorda com a, teoria da revolução cultural gramsciniana, que teria sido supostamente realizada pela esquerda brasileira nos anos 1970 e 1980 (ocupando postos e favorecendo a entrada de seus pares nos meios de produção cultural, como escolas, universidades e instituições de ensino em geral, jornais e mídia em geral), defendida por intelectuais conservadores, em especial pelo Olavo de Carvalho (este em tom de teoria da conspiração mesmo), polêmico autor sobre o qual gostaria de saber também a sua opinião.

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    1. Eu tratei de Olavo de Carvalho em um único post até agora, cujo link segue abaixo. Acho as suas perguntas muito pertinentes, e vou ver se as respondo em um post próprio.

      http://tomatadas.blogspot.com/2012/03/aqui-jogar-tomates-e-debater-ideias.html

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