segunda-feira, 9 de abril de 2012

As muitas formas do capitalismo (concluindo minha resposta)

Concluo neste post a resposta que escrevi ao comentário enviado por Angelo Menegatti a este blog (ver aqui). Vou me concentrar na passagem em que ele afirma que ser velho é defender o capitalismo, já que as ideias que sustentam tal sistema "são as mesmas de 500 anos atrás".


Ora, como já disse José Arthur Giannotti, a utopia de construir uma sociedade complexa sem propriedade privada vem desde a Grécia Antiga! Além de antiquíssima, essa utopia só foi posta em prática durante os setenta e poucos anos de socialismo no século XX, e redundou em malogro completo - onde ainda persiste,  em Cuba e na Coreia do Norte, só se vê miséria. O capitalismo, por sua vez, é uma realidade que já conta séculos, mas nem por isso as ideias usadas para explicar a acumulação de capital e seus efeitos sociais permanecem as mesmas, até porque os modelos de acumulação variam enormemente ao longo do tempo. Só pensa o contrário quem, no intuito de defender velhas utopias, escolhe ignorar as muitas formas assumidas pelo capitalismo ao longo da história. 

Alguns historiadores, como Pierre Villar, afirmam que o capitalismo só teve origem no século XVIII, já que apenas nesse momento as relações de assalariamento começaram a se tornar predominantes na Europa. Até ali, estaríamos na fase da acumulação primitiva, a qual foi necessária para o surgimento do capitalismo, mas não era ainda parte da história do sistema capitalista porque as relações de produção continuavam a ser, na sua maior parte, pré-capitalistas (escravismo, servidão e outras formas de trabalho compulsório).

Mas é certo que a maioria dos autores (e estou entre eles) considera que a acumulação primitiva foi, sim, a primeira fase da história do capitalismo, de sorte que as origens desse sistema socioeconômico remontam à época das grandes navegações, ou seja, há cerca de 500 anos. Mas, nessa época, a acumulação de capital se dava principalmente pela expansão geográfica do circuito de trocas comerciais, sendo o Estado mercantilista o principal agente desse processo. E as diretrizes de ação desse tipo de Estado foram explicitadas pela doutrina mercantilista, a qual, em que pesem suas várias vertentes (metalismo, industrialismo, etc.), preconizava basicamente que: a) o Estado, e não os investidores privados, é o principal criador da riqueza; b) isso ocorre porque a riqueza é gerada no comércio e o comércio internacional é um jogo de soma zero (uma nação só pode ter superávit comercial se outra tiver déficit); c) cabe então ao Estado impor barreiras à importação de produtos e se utilizar da diplomacia e das armas para garantir mercados cativos no exterior.

Ora, eu ou qualquer outra pessoa que já se manifestou neste blog contra as teses de esquerda defende o intervencionismo estatal? Claro que não! O capitalismo de 500 anos atrás era tudo, menos liberal. De fato, o liberalismo nem sequer existia.

Por outro lado, é muito fácil ver geógrafos e outros intelectuais críticos do capitalismo falarem como se a riqueza fosse produzida pelo Estado e cobrarem todo tipo de política intervencionista para defender a economia nacional da "globalização perversa". O mesmo se dá com os professores de geografia dos níveis fundamental e médio, os quais dizem para os alunos que o comércio internacional é um jogo de soma zero. Prova disso é que, numa pesquisa que realizei com alunos do último ano do ensino médio, 67,2% afirmaram que o comércio internacional cria necessariamente assimetrias entre países ricos e pobres, já que o superávit comercial de alguns se faz às custas do déficit comercial de outros...

Para terminar, acrescento que os teóricos anticapitalistas se equivocam não apenas quando deixam de lado as muitas formas assumidas pelo capitalismo ao longo da história, mas também quando ignoram as profundas diferenças entre as formas de capitalismo existentes na atualidade. Mas isso é assunto para outro post. Por enquanto, espero ter deixado claro quem foi que envelheceu antes da hora.

3 comentários:

  1. Aguardo sua explicação sobre as várias formas de capitalismo. Também tenho umas perguntas: no capitalismo contemporâneo existe ainda países/regiões/locais em que há exploração capitalista de região para região ou como o sr. define "jogo de soma zero"? Quais são eles se houver? É correto dizer, hoje,que existe exploração capitalista?

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  2. Olá, Edmilson. Sobre a existência de relações de exploração entre países e entre regiões, publiquei um artigo no qual procuro demonstrar os inúmeros equívocos e contradições das teorias das trocas desiguais, que afirmam a existência de tais processos. Veja o link "Os equívocos da noção de 'regiões que exploram regiões", na seção Artigos, localizada na lateral direita da página deste blog. Ali eu contraponho essas teorias a uma visão marxista alternativa, que nega a existência de exploração entre lugares. Quanto à questão da exploração capitalista do trabalho, considero que não existe, pois a teoria do valor marginal, que nega a visão de que o trabalho seja a fonte do valor, mostra-se, na minha avaliação, muito mais eficiente para explicar os fenômenos econômicos do que a teoria marxista. Eu não usei a teoria do valor marginal no texto que mencionei acima, pois meu objetivo era apenas mostrar como as teorias das trocas desiguais, embora defendidas por muitos autores marxistas, são contraditórias com a teoria do valor de Marx. Além disso, mostro nesse texto como é complicado falar em exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo, mesmo quando se supõe que a teoria marxista do valor está correta.

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    1. Obrigado professor. Agora entendo seu argumento.

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