sexta-feira, 18 de maio de 2012

Alberto Carlos Almeida trocou seu próprio livro por falso confronto regionalista

O cientista político Alberto Carlos Almeida já publicou um livro muito bom, intitulado A cabeça do brasileiro (Record, 2007), que mostra os resultados da Pesquisa Social Brasileira – PESB. Essa pesquisa se baseou na aplicação de um questionário junto a uma amostra de 2.363 pessoas para fazer um teste quantitativo das teorias do antropólogo Roberto DaMatta a respeito da mentalidade do brasileiro. Daí que um dos méritos dessa pesquisa é que, ao invés de deduzir como as pessoas pensam partindo de um raciocínio econômico ou geográfico eivado de ideologia – coisa que Milton Santos vivia fazendo, como já comentei aqui –, foi-se a campo para averiguar diretamente com as pessoas o seu modo de pensar. 


Mais recentemente, porém, andei lendo algumas avaliações bastante críticas dos textos que esse autor publica na imprensa, as quais o acusam de haver abandonado o rigor acadêmico – possivelmente, por razões mercadológicas – para escrever textos cujas conclusões são favoráveis ao PT. Todavia, não vou comentar textos de outros sobre esse autor, e sim jogar uns tomates em um artigo recente que ele publicou na revista Época

Começo então dizendo que, no artigo O jeito Aécio de fazer oposição (Época, n. 720, 05 mar. 2012), Almeida realmente fez aquilo de que tem sido acusado, ou seja, largou mão do rigor para fazer pseudo-análises políticas cujas conclusões só servem para deixar o governo Dilma sair bem na foto. Ele diz que não faz sentido atacar um governo tão bem avaliado e chama aqueles que cobram uma postura mais oposicionista do tucano Aécio Neves de "intelectuais", ou seja, uma minoria da elite. Depois, afirma que Aécio é um político mineiro muito sábio por ficar fazendo média com o governo a fim de ganhar votos, como se o objetivo de um político devesse ser apenas vencer eleições, e não contribuir para gerar mudanças político-ideológicas e de valores no médio e longo prazos. Finalmente, Almeida critica a intenção de José Serra de ser novamente candidato à presidente dizendo isto: 
Serra é paulista demais, e o eleitorado mineiro não gosta disso. Essa rejeição ficou registrada nas urnas de 2002 e 2010. Aécio é suficientemente oposicionista para conquistar o voto antipetista de São Paulo. Os mapas eleitorais das últimas duas eleições presidenciais revelam a divisão geográfica da força do PT e do PSDB: o Nordeste vota PT, São Paulo vota contra o PT. Minas se divide: quanto mais próximo do Nordeste, maior a força do PT; quanto mais próximo de São Paulo, mais forte é o PSDB. Aécio, em que pese o nariz torcido de segmentos da elite paulista, terá o voto oposicionista de São Paulo à medida que se tornar mais conhecido naquele Estado.
Qual é a pesquisa que mostra que eleitor mineiro não gosta de paulista ou, pelo menos, de quem é visto como "paulista demais"? Aliás, o que é alguém "paulista demais" e por que Serra seria visto assim? O autor não mostra evidência alguma para sustentar essa conclusão de que há um sentimento mineiro antipaulista que explicaria a votação de Serra em Minas Gerais, contrariando o que deve ser uma boa análise científica. 

Na sequência, ele faz de conta que vai ser rigoroso, pois comenta os mapas eleitorais para levar o leitor a crer que a polarização PT versus PSDB manifesta uma clivagem regional ou talvez regionalista. Contudo, o livro que ele mesmo escreveu fornece evidências muito mais pertinentes para explicar essas diferenças, as quais pouco têm a ver com variações da mentalidade observadas regionalmente. 

Com efeito, uma das conclusões mais interessantes da PESB é a constatação de que há duas mentalidades no país: a arcaica, representada pela população de baixa escolaridade, e a moderna, própria sobretudo das pessoas com diploma universitário. A primeira se caracteriza, entre outras coisas, pela tendência a ser mais indulgente com a corrupção e com o "jeitinho", a ter menor espírito público, uma visão hierárquica da sociedade, a apoiar ações de censura à imprensa, e a ser mais favorável à intervenção do Estado na economia. Já a mentalidade moderna se caracteriza pela tendência inversa: maior exigência de ética na política, maior rejeição ao "jeitinho", mais espírito público, menor apoio ao intervencionismo estatal, etc. Assim, a mentalidade arcaica é predominante no país porque o número médio de anos de estudo e o percentual de pessoas com curso superior ainda são baixos. Mas a mentalidade moderna tende a se tornar predominante no longo prazo, à medida que a escolaridade for se elevando. E as diferenças regionais evidenciam isso, pois a mentalidade moderna tende a ser mais forte nas cidades do Sul e Sudeste (especialmente nas capitais), enquanto a mentalidade arcaica tende a ser mais forte no Nordeste, sobretudo em cidades que não são capitais. 

Nesse sentido, vale mencionar que, segundo os dados dessa pesquisa, há diferenças menores de mentalidade observadas segundo idade, ocupação, sexo e região dos entrevistados. Por exemplo, os nordestinos mostraram-se mais tolerantes com a corrupção do que os moradores do Sul e do Sudeste. Todavia, o principal fator de diferenciação das duas mentalidades foi mesmo o grau de escolaridade, de sorte que as diferenças regionais são explicáveis mais apropriadamente pelos indicadores educacionais regionalizados. 

Diante desse quadro, é bastante pertinente concluir que a distribuição geográfica dos votos no PT e no PSDB se deve principalmente às diferenças de mentalidade. Serra não venceu o segundo turno da última eleição apenas em São Paulo, mas também em todos os estados do Centro-Oeste e do Sul. Já o PT estourou a boca do balão nos estados do Norte e Nordeste, ou seja, nas regiões onde a escolaridade é mais baixa. Noutros termos, as regiões onde a mentalidade arcaica é mais fraca tendem a votar no PSDB, enquanto o PT tende a vencer nas regiões onde a mentalidade arcaica é mais forte. 

E o próprio estado de Minas reflete isso: os eleitores mineiros que vivem próximos do Nordeste tendem a votar no PT porque o norte de Minas é uma das regiões mais pobres do país e, por isso, apresenta escolaridade baixa. O inverso ocorre nas áreas mais desenvolvidas de Minas, que ficam próximas a São Paulo: lá, a escolaridade é mais alta, e a mentalidade arcaica, por conseguinte, mais fraca. Mas, na leitura superficial de Almeida, a localização do eleitor próxima do Nordeste ou de São Paulo já é determinante das tendências de voto... 

Resumindo, Alberto Carlos Almeida jogou o seu próprio livro no lixo e procurou construir uma clivagem regionalista baseando-se em afirmações gratuitas sobre uma suposta rejeição mineira aos paulistas e numa interpretação superficial dos mapas eleitorais. 

Justamente por isso é que ele julga a estratégia política contemporizadora de Aécio só do ponto de vista dos interesses eleitorais imediatos desse político. Quando se desconsideram as diferenças de mentalidade, deixa-se de lado a importância de os partidos de oposição criticarem os valores arcaicos que atrasam o Brasil e que explicam a maior parte do sucesso eleitoral do PT. Pode não ser a melhor estratégia para ganhar a próxima eleição, mas é o único caminho para construir, no longo prazo, um país mais democrático, menos corrupto e com maior dinamismo econômico. Ademais, ser bonzinho com o PT não tem funcionado nem como estratégia eleitoral de curto prazo.

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