quinta-feira, 14 de junho de 2012

Milton Santos fracassou em elaborar uma "teoria do Brasil"

Com aquela pretensão que lhe era peculiar, Milton Santos escreveu que o livro Brasil: território e sociedade no início do século XXI tinha o objetivo de "fazer falar a nação pelo território", ou seja, construir uma teoria do Brasil pelo estudo do território usado (Santos; Silveira, 2003). Isso o colocaria no mesmo patamar dos grandes clássicos das ciências sociais brasileiras que tomaram o Brasil como objeto para a elaboração de teorias, caso de Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, entre outros. 


Além de chatíssimo de ler, o livro de Santos e Silveira mostra que os autores não entenderam o que significa produzir uma teoria do Brasil ou não foram capazes de realizar esse ambicioso projeto pela ótica da geografia crítica. Uma teoria assim precisa demonstrar que o Brasil é um país distinto dos outros (pois só isso justifica a necessidade de uma teoria exclusiva para ele), explicar as razões dessa diferenciação e, como corolário, indicar as vantagens e desvantagens que esses diferenciais representam para a "solução" dos problemas econômicos, sociais e políticos do país. É isso o que dizia Gilberto Freyre, por exemplo. O Brasil seria diferente porque constitui uma sociedade miscigenada, sendo essa a sua grande contribuição ao "concerto das nações" (Souza, 1984). Por sua vez, Holanda afirmava que não existia, ainda, um tipo brasileiro diferenciado, pois o Brasil seria o caso mais exitoso de transplante de uma cultura europeia para a zona tropical de forma quase inalterada. Daí que os defeitos do brasileiro seriam os mesmos do português, como "preguiça" e um "espírito aventureiro" sempre em busca da riqueza imediata, sem necessidade de trabalho rotineiro e prolongado. A formação de um "tipo brasileiro" só teria se iniciado com o processo de urbanização ocorrido aqui após 1880, posto que a mentalidade portuguesa era marcadamente rural (Holanda, 1936).

Ora, depois de percorrer as centenas de páginas do livro de Santos e Silveira, o que se pode constatar é a ausência de qualquer demonstração ou mesmo discussão do que poderia ser a originalidade brasileira! Tudo o que se fica sabendo após a leitura é que a história do Brasil só fez reproduzir desigualdades sociais e espaciais gritantes e que existem aqui "lugares que mandam" (o Sudeste do país, principalmente São Paulo) e "lugares que obedecem" (o resto do país). Mas a verdade é que, se os  pressupostos teórico-metodológicos dessa obra fossem aplicados no estudo de outros países da América Latina, como Argentina e México, as conclusões seriam idênticas. A Província de Buenos Aires manda, o resto obedece... E o mesmo resultado seria obtido até no estudo de países desenvolvidos. Poder-se-ia muito bem afirmar que o Nordeste dos EUA e a Costa Oeste americana são "lugares que mandam", enquanto o resto "obedece". Que "teoria do Brasil" é essa que só serve para mostrar que esse país se estruturou pelo mesmo tipo de relações de poder responsáveis pela formação de todos os outros países do mundo?

E isso para não repetir que essa conversa de lugares que mantém relações de poder entre si como se fossem pessoas nada mais é do que fetichismo espacial disfarçado por uma retórica propositalmente escorregadia, conforme já comentei aqui. Ao fim e ao cabo, essa obra de Milton Santos é um fracasso tanto no esforço de oferecer uma contribuição teórica às ciências sociais quanto na tentativa de realizar a pretensão dos geógrafos críticos de explicar a sociedade pelo estudo do espaço. 

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SOUZA, A. C. M. A Revolução de 1930 e a cultura. São Paulo: Novos Estudos, v. 2, n. 4, 1984.

SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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