quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Ou os europeus são burros, ou a produção agrícola familiar pode ser dispensável

Uma coisa intrigante quando lemos os estudos que tratam da agricultura como atividade econômica é que muitos autores afirmam categoricamente que o agricultor familiar é mais produtivo do que o patronal. Asseguram que os pequenos proprietários fazem uso mais eficiente dos recursos, sobretudo da mão de obra, e que produzem mais por unidade de área. E, ainda assim, esses mesmos autores clamam por ajuda para os pequenos produtores, exigindo que o Estado lhes dê assistência técnica, financiamento a juros baixos, mercado cativo (como o de produtos para merenda escolar), subsídios de preço, barreiras à importação de alimentos, e por aí vai. Mas não é estranho que o setor mais eficiente e produtivo precise tanto que o Estado lhe conceda benefícios de toda ordem, mesmo que a fundo perdido, para não desaparecer?


Esse paradoxo assume a forma de contradição gritante quando lemos a avaliação do agrônomo Xico Graziano sobre a política agrícola europeia:
Agora, na Europa, mudará a política comum: os agricultores receberão os subsídios mesmo que não produzam, compromissando-se a manter belas suas propriedades e eternas suas moradias, em harmonia com o meio ambiente, cuidando também do bem-estar animal. Esse é um conceito superatual, impensável há uma década: a chamada multifuncionalidade do campo (Graziano, 2004, p. 87 - itálico no original).
Engraçado... muitos acadêmicos, especialmente geógrafos, insistem que a agricultura familiar não só é mais eficiente como consegue produzir de forma ambientalmente sustentável. No entanto, essa proposta de política agrícola (!?) consiste em dar dinheiro para o produtor ser caseiro do seu próprio sítio, dispensando os alimentos que ele poderia produzir com tanta eficiência e, portanto, a baixos preços. Assume-se que o campo é multifuncional, pois oferece, além de alimentos e matérias primas de origem agropecuária, belas paisagens, culturas regionais diferenciadas e um meio natural agradável e "harmônico". Tudo isso para o bem da vida na Terra e para o desfrute de estressados citadinos ansiosos por fazer turismo rural.

Mas, na medida em que a concessão de subsídios pode ser feita dispensando-se o produtor de produzir, disso devemos deduzir que a menos importante das funções do campo é a produção de comida? Ou seria mais razoável concluir que a função menos importante da agricultura familiar é produzir alimento?

Esses europeus devem ser muito burros. Pagam caro pelo alimento produzido pela agricultura patronal e doam dinheiro a "camponeses" que abandonam a produção eficiente de comida para serem zeladores de suas propriedades. Agora, se não faltar inteligência aos europeus, então há algo de muito errado nesses estudos que atribuem produtividade superior à agricultura familiar. Volto a isso noutra hora.

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GRAZIANO, X. O carma da terra no Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.

5 comentários:

  1. Professor Diniz,

    Há algum estudo sério sobre números da produtividade do campo no Brasil? Pergunto isso pois me parece que se tivéssemos realmente "reforma agrária geral e irrestrita" (como pregam uns e outros por aí) nossa população morreria de fome. Imagino que o desenvolvimento da tecnologia agrícola (fruto da competição capitalista) foi fundamental para que pudéssemos alimentar 193 milhões de brasileiros.

    Mas tudo o que falei são suposições minhas. Por isso gostaria de ler algum estudo sério sobre o assunto.

    Abraços,
    Vitor

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    1. Você tem toda a razão: se dependesse da agricultura familiar (sobretudo aquela dos assentamentos de reforma agrária), estaríamos morrendo de fome. Dois trabalhos que tratam disso, com dados estatísticos oficias, são o próprio livro do Graziano que eu citei no post e o texto "Agricultura e Mercado no Brasil", de minha autoria. Esse texto pode ser baixado no link colocado na Seção Artigos, na barra lateral direita desta página.

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  2. Li o seu texto. Foi bastante esclarecedor para mim. Muito triste que a maior parte dos acadêmicos brasileiros insista em tentar adaptar a realidade àquilo que tomam por verdadeiro... Vendo tantos estudantes universitários repetindo besteiras (e ainda assim se sentindo dotados de fenomenal "senso crítico", muito embora sequer pensem em questionar as "verdades" dos "professores engajados") fico me perguntando se esse nosso atraso tem solução...

    Muito obrigado pela indicação. Abraços!

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  3. Vai aqui uma dica de leitura para diversificar a discussão, a respeito da política agrícola comum da União Européia. O autor é economista e de esquerda, e procura desconstruir alguns "mitos" quanto ao campesinato europeu e sua relação com os subsídios.
    http://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:9vRFXkdq2zIJ:scholar.google.com/+abramovay+uni%C3%A3o+europ%C3%A9ia&hl=pt-BR&as_sdt=0,5
    Gostaria de saber o que acha, abraços e parabéns pelo blog.

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    1. Muito obrigado pela dica de leitura. Quando eu tiver tempo, vou ler!

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