sábado, 15 de dezembro de 2012

Sim, a escola varre as milhões de vítimas do socialismo para debaixo do tapete

Um estudante de história mandou um comentário com críticas ao texto A escola oculta o genocídio socialista!, o qual merece uma resposta mais longa. Ele começa dizendo o seguinte:
É um equívoco você acusar os socialistas de silêncio com relação aos crimes de Stálin, Mao ou Polt Pot tendo por base o livro do Mário Schmidt. Qualquer um que faça uma universidade ou estuda em um colégio no nível médio, sabe dos horrores das ditaduras comunistas/socialistas ao longo do século XX. Eu tenho professores de esquerda, uma minoria já que a maioria não liga para política ou questões sociais, que fazem questão de falar sobre isso para justamente demonstrar que estão bem longe desses monstros.

É mentira dizer que qualquer aluno do ensino médio fica conhecendo na escola os horrores praticados pelos socialistas. Eu, quando estava no ensino médio, não ouvi nada a respeito, conforme relato no livro Por uma crítica da geografia crítica, atualmente no prelo. Mas não estou fazendo generalizações a partir do meu caso pessoal, não. Citei o livro de Mário Schmidt, sim, e não há equívoco algum em fazer isso, posto que essa obra não é a exceção, mas a regra! Se não for, faça uma lista de livros didáticos de história que descrevem ou que ao menos mencionam fatos históricos como os gulags, os fuzilamentos em Cuba, a morte de 7 milhões de ucranianos por inanição, o terror da Revolução Cultural e os assassinatos cometidos pela Coluna Prestes, para citar só alguns exemplos de atrocidades.

Além da evidência dos livros didáticos, tenho também os resultados de 121 questionários que foram aplicados com alunos do último ano do ensino médio de Curitiba para averiguar o problema da doutrinação ideológica nas escolas. Quando solicitados a assinalar afirmativas que explicam as causas da derrocada socialista, a maioria das respostas considerava que esta não se deu em função de problemas inerentes ao modelo de economia planificada, mas sim ao suposto isolamento comercial do bloco comunista  - o bloco inteiro, o que é uma mentira absurda! - e aos pesados investimentos militares que esses países tiveram de fazer durante a guerra fria. Coerentemente com esse resultado, a terceira resposta mais frequente foi aquela segundo a qual o socialismo não fracassou como modelo socioeconômico e político, pois o que houve foram apenas algumas experiências socialistas malsucedidas, fato esse que seria corroborado pelo suposto exemplo de sucesso vindo de Cuba. Por sua vez, as respostas menos frequentes foram justamente aquelas que atribuíram a crise do socialismo real à ineficiência do modelo de economia planificada e à ausência de democracia. Tudo isso é explicado em detalhes no livro Por uma crítica da geografia crítica.

Ora, se esses alunos tivessem ficado sabendo dos horrores do socialismo, as respostas teriam sido essas? É claro que não! Quanto a dizer que os professores universitários são esquerdistas só em minoria, não costumam ligar para problemas sociais e os poucos que diferem desse padrão rejeitam o massacre praticado pelo socialismo, noto que esse é apenas um testemunho pessoal seu. A isso, posso objetar o seguinte: por que então os autores de livros didáticos são justamente o contrário desses professores que você diz ter, como se revela pelo que eles escrevem? Os livros didáticos de geografia escamoteiam o terror socialista e defendem esse sistema; os livros de história que eu conheço fazem a mesma coisa; o livro didático de filosofia da dona Marilena Chaui, idem. Só a minoria que destoa dos professores que você diz ter escrevem livros didáticos? Por quê? Ademais, já na década de 1960 havia uma forte influência, e até predomínio mesmo, de teorias inspiradas no marxismo. Maria Yedda Linhares, citada pelo marxista Jorge Caldeira (2009), afirma que, já na década de 1960, as teorias de Caio Prado Júnior sobre o Brasil eram sacrossantas na historiografia, e quem discordasse era praticamente um herege. E o que se ensina hoje nas aulas de história e de geografia do ensino médio é exatamente a interpretação de Prado Júnior, conforme meus alunos de geografia do Brasil me informam.  

Adiante, o leitor mostra que ele próprio procura relativizar os crimes do socialismo, mesmo dizendo que os esquerdistas não os escondem. 
O que se contesta, e deve ser contestado, são esses 100 milhões de mortos, já que os anticomunistas/antissocialistas não se decidem sobre o número de mortos dos regimes, que seguindo as idéias dos mesmos, pode ir de 100 a 300 milhões:
Na sequência, ele lista sites que tratam do assunto, mas que apresentam números muito discrepantes - de 100 a 300 milhões. Ora, conforme eu mencionei de passagem no meu post, a contagem das mortes varia a depender do critério usado para considerar quem foi vítima direta do sistema ou não. Deve-se considerar somente os que foram assassinados por ordem direta dos líderes socialistas ou também aqueles que, a exemplo do que aconteceu durante o Grande Salto à Frente, na China, morreram de fome devido ao confisco e exportação dos alimentos que eles produziam? Além disso, a contagem do número de mortos tende a aumentar à medida em que novos documentos vão sendo encontrados e/ou divulgados. A recente biografia de Mao Tsé-Tung, citada no meu post, trouxe como novidade o uso de documentos oficiais soviéticos aos quais só recentemente foi permitido o acesso; e foi essa a principal fonte usada pelos autores para elevar o número de pessoas assassinadas pelo tirano chinês para 70 milhões de pessoas, no mínimo!

A verdade é que usar esse argumento para relativizar o genocídio socialista não difere muito do que os neonazistas fazem quando tentam provar que o número de 6 milhões de judeus mortos nos campos de concentração nazistas é exagerado: teria sido um milhãozinho só, no máximo... 

Ainda assim, no que diz respeito ao ensino médio e superior, o fato de haver estimativas diferentes do número de mortos não é motivo para esconder os crimes dos alunos. Basta dizer que há números divergentes, que vão de 100 a 300 milhões, e comentar com os alunos as razões das divergências. Ensinar história é mostrar como se usam as fontes, não?

Depois, vem esta:
Pois bem, vamos ficar com 100 milhões, que é o número no ´´Livro Negro do Comunismo``. Então, comunismo e capitalismo deveriam sumir de mãos dadas, já que no ´´Livro Negro do Capitalismo``, a cifra está, por baixo, em 107 milhões de mortos!!! E nunca vi nenhum professor liberal, ou conservador, falar sobre esse livro ou esses milhões de mortos provocados pelo capitalismo. Ou seja, cometem o mesmo erro daqueles que querem criticar!!!!!
Essas afirmações são completamente falsas. No ensino brasileiro, a "lógica do capitalismo" leva a culpa por tudo. A fome e pobreza do Terceiro Mundo, todas as ditaduras implantadas nessa região do globo, a escravidão (e mesmo o fim da escravidão teria sido resultado apenas de um cálculo econômico interesseiro da burguesia industrial inglesa), o extermínio de povos ameríndios, o regime do apartheid, e assim por diante. De outro lado, de que professor liberal e conservador você está falando, se os que temos são quase todos de esquerda? Eu não tenho preocupação de me classificar como liberal ou social-democrata, mas é fato que defendo a democracia e, assim sendo, nunca dei apoio às ditaduras que mataram sob a justificativa de combater o comunismo. Em minhas aulas e textos neste blog, eu critico a ditadura militar brasileira e também a ditadura de Getulio Vargas, o fascistoide cujo governo torturou e matou sob esse pretexto. Os professores de esquerda, não; eles escondem a verdade dos alunos e, quando admitem alguma coisa, vão logo usando alguma racionalização no estilo Zlavoj Zizek.
Ah, e por favor, não me venha com essa de que as universidades brasileiras são dominadas por comunistas, marxistas, esquerdistas, petistas, etc. Qualquer um sabe que isso não é verdade nem nos cursos de Ciências Humanas, muito menos em universidades como a USP ou a UFRJ, que tem cursos de vários tipos. É ingenuidade demais acreditar nessas teorias da conspiração. Ingenuidade tão grande quanto acreditar que Stálin foi um homem tolerante e democrático.
Novamente, você não apresenta justificativas para sustentar suas afirmações. Atitude típica dos dogmáticos, por sinal. Por outro lado, quando eu afirmo que a teoria social crítica é predominante na geografia, faço isso com base em levantamentos bibliográficos, ou seja, em evidências documentais. Basta ler o meu novo livro e também algumas coisas que já publiquei a respeito (Diniz Filho, 2002, 2003, 2010). Sobre a historiografia, já mencionei o trabalho de Caldeira e os livros didáticos dessa disciplina. E sem falar nos testemunhos que estão no site Escola Sem Partido, é claro. 

Portanto, não há teoria conspiratória nenhuma da minha parte! Quem pensa o tempo todo em conspiração são os professores esquerdistas, que acusam a propaganda e a imprensa de fazerem lavagem cerebral nas pessoas, mas não dão voz ao contraditório nas escolas, onde o esquerdismo é dominante. Já tratei disso em outro post, aliás (ver aqui). 
Que muitos socialistas mataram, isso é verdade e deve ser dito, porém, muitos outros não mataram e são simplesmente esquecidos. Por acaso, vocês sempre se lembram de Stálin ou Mao para atacar os socialistas, porém, nunca se lembram, por exemplo, de Edward Palmer Thompson, Frei Betto ou Paulo Freire, e muito menos, Olof Palm, que foi melhor que qualquer político liberal ou conservador que você possa citar!!!
Falso. Os intelectuais marxistas e esquerdistas fazem muito sucesso no Brasil, tanto na academia quanto na imprensa. É só ler o que já escrevi neste blog sobre Hobsbawn, Conceição Tavares, Chico de Oliveira, Milton Santos, Celso Furtado e João Manuel Cardoso de Mello, entre outros. Além do mais, os exemplos de Frei Betto e de Paulo Freire comprovam o oposto do que você deseja provar. Os textos de um e de outro trazem apoio explícito e enfático à ditadura cubana, sem se incomodarem com os cerca de 100 mil fuzilados por esse regime. No caso de Paulo Freire, lemos em Pedagogia do oprimido elogios também à ditadura maoista, aquela mesma que matou por baixo 70 milhões de pessoas! Esses dois nunca assassinaram ninguém, mas só porque se viam na função de deixar o trabalho pesado para os outros e operar apenas como legitimadores e racionalizadores do morticínio!

Ainda assim, não nego que haja intelectuais de esquerda e até marxistas que já denunciaram com ênfase os massacres socialistas e se posicionaram convictamente em favor da democracia e dos direitos humanos. Posso citar como exemplos Agnes Heller, Marshall Berman, Xico Graziano, José de Souza Martins (ao menos no caso do seu livro Reforma agrária: o impossível diálogo), e José Arthur Giannotti. Mas a imensa maioria não é como eles; tanto que as visões deles não comparecem nos livros didáticos, nem nas aulas do ensino médio.

Você, ao relativizar o massacre praticado pelos socialistas, fazer afirmações sem evidências para descartar o problema da doutrinação e citar Frei Betto e Paulo Freire como exemplos de humanistas, mostra que está mais para o lado de Stálin do que para o lado desses autores que eu mencionei. E ainda quer defender o socialismo! 

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CALDEIRA, J. História do Brasil com empreendedores. 1. ed. São Paulo: Mameluco, 2009.

DINIZ FILHO, L. L. A geografia crítica brasileira: reflexões sobre um debate recente. Geografia, Rio Claro, v. 28, n. 3, p. 307-321, set.-dez. 2003.

DINIZ FILHO, L. L. Certa má herança marxista: elementos para repensar a geografia crítica. In: KOZEL, S.; MENDONÇA, F. A. (org.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.

DINIZ FILHO, L. L. A doutrinação no ensino brasileiro de geografia. Conhecimento Prático - Geografia, São Paulo: Escala, n. 34, p. 8-17, nov. 2010.

2 comentários:

  1. Diniz,

    Eu entendo este rapaz que lhe respondeu... Uma ou duas décadas atrás, a maioria dos que defendiam o marxismo se colocavam na obrigação de ler Karl Marx, mas com o passar do tempo, se repete comentadores, cujos artigos foram passados na faculdade e, na melhor das hipóteses, um ou outro capítulo da obra do próprio Marx ou de seus seguidores mais próximos. Esta vulgarização esquerdista tem a ver com a própria queda da qualidade de ensino em geral. Não que eu concorde com o marxismo, em absoluto! Aliás, me vejo mais como um antimarxista do que um anti-socialista, para dizer a verdade, mas como eu dizia lá pelos meus 15 anos (e já faz muito tempo isso), quando eu me apresentava ideologicamente como “anarquista”, a primeira coisa que fiz antes disso foi ler um livro sobre o assunto que, no caso, foi a obra de George Woodcock, Os Grandes Escritos Anarquistas. Daí, um pouco informado, eu sabia ou tinha alguma noção do que pretendia defender. O que ocorre hoje em dia? Temos “marxistas” que, quando muito, leram O Manifesto Comunista e deu! O resto fica para a pós-graduação... Mas, vamos aos argumentos do aluno... (Uma vez que ele fala nos professores que tem.) Em mais de 20 anos de sala de aula, não tive contato suficiente com livros didáticos de História, mas sim com os de Geografia, bem como apostilas de sistemas de ensino que, em alguns casos, nada mais são do que os mesmos livros de editoras reconhecidas no mercado e editadas por seus autores em cursos pré-vestibulares no caso dos “terceirões”. Bem, exceto por alguns que realmente comentam a “crise do socialismo real” devido ao “excesso de burocratização” ou “desvirtuamento da revolução” que nunca passou de “capitalismo de estado”, normalmente a responsabilidade recai sobre os ombros dos agentes capitalistas e sua sanha armamentista que pressionou o socialismo, pois segundo estes autores “não interessava” ter um caso bem sucedido servindo de exemplo aos trabalhadores do 1º Mundo, ou outra estultice destas.

    100, 200, 300 milhões? Digamos que sejam “apenas” 100... Isto diminuiria a indignação de nosso colega? Suspeito que não. Pois, como não “denunciamos” as mortes pelo capitalismo, não somos “neutros”. Isto quando também dizem, para justificar a deliberada parcialidade de suas análises, na “cada dura” mesmo, que “neutralidade não existe”. Mas, quando convém, aí a conversa é outra. Guerras feitas por países capitalistas, provavelmente, existiram em maior número do que as feitas por países socialistas por uma simples razão: existiram mais países capitalistas que socialistas. Agora, o que tem que se perguntar caro aluno, é se houve mais guerras e mortes feitas por democracias do que por ditaduras, inclusive comunistas e, em segundo, se houve mais mortos feitas por democracias do que pelos regimes comunistas. Esta é a comparação correta. Não é a arma que mata, é o atirador; não é a propriedade privada ou a propriedade pública que matam, mas os representantes eleitos ou os déspotas, ou o partido que manda executar. Quem, te pergunto, matou mais? Agora, mesmo que venhas a reconhecer a superioridade homicida do comunismo (em termos proporcionais, no tempo que durou, acredito que o nazismo ainda tenha matado mais), isto não serve como alento para quem defende o capitalismo. O que serve sim como parâmetro é saber que graças ao sistema capitalista, o número de famintos crônicos no mundo tem diminuído, a expectativa de vida tem aumentado e, politicamente, o benefício do número de democracias idem.

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  2. Um recurso contumaz daqueles que preferem não tocar neste assunto é contrastar os casos autodenominados “socialistas” com o que deveria ter sido o socialismo, o chamado “socialismo real”, contra o que foi apregoado, entre outros teóricos, por Karl Marx. O problema deste tipo de argumento é que ele cria um sistema circular de justificação: nunca se torna possível criticar o socialismo (ou o comunismo) porque ele não chegou a acontecer, mas é tudo culpa do capitalismo que não deixa com que o mesmo se concretize (vide o caso do embargo a Cuba) e, por isto mesmo vale à pena continuar lutando por ele... Ora, se for assim, então o mesmíssimo raciocínio vale para o capitalismo! Como nossos esquerdistas desprezam o pensamento diametralmente oposto ao seu, não se interessando em estudá-lo, vai aqui uma dica, há várias tendências de estudo e justificação do capitalismo. Uma delas é o chamado libertarianismo ou “anarco-capitalismo”, para a qual, o que temos são variações de estatismos. Portanto, o verdadeiro capitalismo, com seu perfeito equilíbrio entre demanda e oferta nunca chegou a ocorrer devido à deformação do mercado feita pela mão pesada do estado. Analogamente, ao que diz a esquerda, mas na razão diametralmente oposta, o capitalismo nunca contém deformidades ou erros, pois é tudo culpa da influência estatal. Fácil, não? Pois este tipo de sofisma é o mesmo, equivalente de nossa esquerda, só que na trincheira oposta. E esta mesma esquerda é sim hegemônica nas academias de ensino superior no Brasil, em que pese certa autocomiseração de alguns cordeiros.

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