segunda-feira, 28 de julho de 2014

Cultura estatista é fator de atraso para o Brasil

O livro O mistério do capital, de Hernando De Soto (2001), é leitura obrigatória para qualquer um que quiser conhecer uma explicação científica para as diferenças de desenvolvimento entre países alternativa às teorias e ideologias imperialistas que infestam a política latino-americana. Esse autor afirma, com base numa extensa pesquisa histórica, que a chave do desenvolvimento está em um país consolidar as instituições que são fundamentais para estimular indivíduos e empresas a investir capital, sendo a mais importante dessas instituições o direito de propriedade. É necessário haver um sistema integrado formal de representação da propriedade, ou seja, um conjunto padronizado de leis e instituições que asseguram o direito de propriedade e que tornam os possuidores de imóveis urbanos e rurais responsáveis pelo uso que dão a esses bens. Adicionalmente, é preciso que as leis que regulamentam a operação de empresas privadas sejam simples e que os procedimentos burocráticos envolvidos na abertura e fechamento de empresas, no pagamento de impostos, na obtenção de alvarás de funcionamento, entre outros, sejam ágeis e baratos.


Em função disso, De Soto afirma e repete diversas vezes que a explicação do subdesenvolvimento não está na cultura, mas sim nesse problema institucional. Os países atualmente desenvolvidos, até uns 150 anos atrás, padeciam dos mesmos problemas que hoje afetam os países pobres: o sistema de leis protegia a propriedade e os negócios de uma minoria que integrava a economia formal, deixando a maior parte da população na informalidade, sem ter seu direito de propriedade e seus pequenos negócios reconhecidos legalmente. Foi à medida que os EUA e Europa Ocidental constituíram sistemas institucionais adequados à dinâmica real da economia - algo que, no Japão, se deu após a Segunda Guerra -, que esses países lograram alcançar o nível de desenvolvimento econômico e de bem-estar social que vemos hoje. Em suma, o problema não é cultural, mas institucional.

Um porém

Acho a explicação de Hernado De Soto para o subdesenvolvimento muito convincente, mas creio que existe uma pergunta não respondida aí, que é a seguinte: por que os países pobres da América Latina, África e Ásia permanecem tão atrasados em constituir sistemas institucionais capazes de incluir a todos na dinâmica da acumulação de capital? Qual é a razão para uma demora tão grande em legalizar as propriedades das pessoas pobres e em facilitar os processos de criação e de funcionamento de novos negócios? Honestamente, não vejo outro caminho para explicar esse atraso senão na presença de concepções fortemente estatistas e anti-mercado na cultura dos países subdesenvolvidos, as quais são responsáveis pela existência de aparelhos estatais hipertrofiados, dirigistas, que sufocam a atividade empresarial com pesadas taxações e burocracia infernal. Além disso, é bom levar em conta que essas visões estatistas criam entraves para o desenvolvimento não apenas na esfera institucional, mas também no dia a dia da condução das políticas macroeconômica, fiscal, de comércio exterior, e assim por diante.

Um bom exemplo da influência dessas visões, que tanto podem assumir a forma de ideologias socialistas como também de diversos nacionalismos, à esquerda e à direita, pode ser encontrado em nosso sistema de ensino, conforme pode ser pesquisado neste blog. Mas há dois livros que abordam, entre muitos outros, o seguinte problema crucial no Brasil e na América Latina: o "viés anti-capitalista". Esses livros são Brasil: raízes do atraso, de Fabio Giambiagi (2007), e Complacência, do mesmo Giambiagi em parceria com Alexandre Schwartsman (2014). Neles, o foco não está nas  instituições, mas numa série de políticas que, pautadas por visões estatistas e hostis ao investimento privado e à liberdade econômica, respondem pelo baixo crescimento exibido pela economia brasileira nas últimas décadas. Recomendo fortemente a leitura desses livros, e vou escrever uma resenha sobre o segundo numa futura postagem. 

Por hora, deixo o seguinte recado: não devemos ceder à patrulha e aos truques retóricos do politicamente correto; visões estatistas impregnadas na cultura de certos povos podem ser sérios obstáculos ao desenvolvimento e ao bem-estar social, sim. Afinal, os valores que sustentam a democracia e a economia de mercado não têm nada a ver com gostos musicais, culinária, hábitos, indumentária, festas de rua, e assim por diante. Criticar os elementos culturais que prejudicam as instituições e a condução das políticas públicas nada tem a ver com eurocentrismo ou qualquer coisa que o valha.

Postagens relacionadas

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DE SOTO, H. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001.

GIAMBIAGI, F. Brasil: raízes do atraso; paternalismo versus produtividade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

GIAMBIAGI, F.; SCHWARTSMAN, A. Complacência. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

4 comentários:

  1. Professor, o livro - O mistério do capital - está esgotado. Infelizmente só o encontrei no site Estante Virtual, usado, e a partir de, salgados, 140 pratas.
    Se algum leitor do site descobrir preço melhor, por favor, avise.
    Abraços

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    1. Esse preço está absurdo! Os manuais de economia americanos (calhamaços com 800 a 1.000 páginas) é que costumam custar isso. Espero que você consiga comprar, mas, se não der, sempre é possível recorrer a bibliotecas mesmo. A edição que eu li foi emprestada da Biblioteca Pública do Paraná. É que eu sempre faço fichamento dos livros que eu leio, como foi o caso desse aí. Devolvi a obra, mas tenho tudo de mais importante anotado. E, no caso dos capítulos que me interessavam mais de perto, tirei fotocópia. É um jeito de economizar.

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  2. Professor, sempre acompanho suas publicações e gosto muito das suas indicações de leitura. Li Complacência, confesso que tive um pouco de dificuldade pra entender alguns trechos, mas mesmo assim gostei muito. Estou começando a reler. O senhor disse que faz fichas dos livros? São resumos, professor? Pretendo começar a fazer algo parecido, quero armazenar a maior quantidade possível de informações.
    Tenho um conhecido petista que me aporrinha e preciso de argumentos para não cair no lenga-lenga do "nunca antes na história deste país."
    Recentemente ele postou um texto nas redes sociais e, acredite, só recebeu elogios.
    Além de Complacência qual outro livro o senhor me recomendaria a leitura?


    Eis o texto do colega:

    "Não vai ser fácil conseguir meu voto para presidente. Cansei de escutar críticas infundadas, discursos prolixos e ataques. Vou colecionar dados, cada vez mais, para embasar meu sagrado direito de votar...

    PIB em bilhões de reais
    2002 - 1.477
    2013 -4.837
    Fonte IPEA

    Falências requeridas
    2002 -19.891
    2013 - 1.758
    Fonte IPEA

    Inflação
    2002 - 12,53%
    2013 - 5,91%
    Fonte IPEA

    Desemprego % mês dezembro
    2002 - 10,5
    2013 - 4,3
    Fonte IPEA

    Juros selic
    2002-24,9%
    2013-11%
    Fonte IPEA

    Divida pública % do PIB
    2002-60,4%
    2013-33,8%
    Fonte ANDIFES

    Salário mínimo em reais
    2002- 364,84
    2014-724,00
    Fonte IPEA

    Taxa de pobreza %
    2002-34%
    2012-15%
    Fonte IPEA

    IDH
    2000-0,669
    2005-0,699
    2012-0,730
    Fonte Estadao

    Reservas cambiais em bilhões
    2002-38
    2013-375
    Fonte IPEA Banco mundial

    Gastos públicos saúde
    2002-28bi
    2013-106bi
    Fonte orçamento federal

    Gastos públicos educação
    2002-17bi
    2013-94bi
    Fonte orçamento federal

    Risco Brasil
    2002-1.446
    2013-224
    Fonte IPEA

    Economia mundial
    2002-14a economia mundial
    2013-6a economia mundial.

    Entre 1994 e 2002, houve 48 operações da Polícia Federal; entre 2003 e 2012, houve 1.273 operações, com mais de 15 MIL presos. Em 2003, a Justiça Federal tinha 100 varas pelo país; em 2010, já tinha 513."

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    1. Olá, João

      Há vários tipos possíveis de fichamento, cada um com uma finalidade. Há fichas de citações e fichas que fazem um resumo comentado de uma página sobre o livro, por exemplo. Na prática, cada um deve criar sua própria forma de fichamento. Eu sigo um método que elaborei durante a iniciação científica, a partir das sugestões do manual "Como se Faz uma Tese", de Umberto Eco. Esse livro tem reedições recentes, e pode trazer conselhos bem úteis nesse sentido.

      Mas é claro que a tecnologia também ajuda bastante. Quando eu baixo um trabalho acadêmico em PDF, faço anotações e marcações no próprio texto. Nesse sentido, o fichamento, hoje, só continua sendo útil para livros impressos.

      Recomendações de livros dependem de qual o assunto em questão. Para saber mais sobre a economia institucionalista, é interessante ler "Por Que as Nações Fracassam", de Daron Acemoglu e James Robinson.

      Quanto ao uso de estatísticas para fazer propaganda petista enganosa, o melhor livro a respeito é o Complacência, ao menos no que diz respeito aos indicadores econômicos. Aqui no blog, é só pesquisar nos marcadores Mentiras Petralhas e Dados Inconvenientes para ver algumas desmistificações desses números. Nos meus posts, eu já demonstrei, por exemplo, que:

      a) a taxa de leitos hospitalares, segundo o IBGE, diminuiu durante os governos petistas (de 2,7 por mil habitantes caiu para apenas 2,3 por mil)

      b) a criminalidade despencou no estado de São Paulo sob os governos tucanos, ao passo que, no conjunto formado pelo resto do país, a criminalidade explodiu. Em estados como a Bahia, a taxa de homicídios saltou mais de 200%, desde 1999. São dados do Mapa da Violência.

      c) o crescimento do IDHM mostrado no texto que você citou se deveu principalmente a uma mudança na fórmula de cálculo desse índice. Uma mudança feita de encomenda para criar a ilusão de que teria havido um "salto do IDHM" na comparação com 1991.

      d) os aumentos de salário mínimo feitos por Lula e Dilma não tiveram efeito nenhum na queda da pobreza e da desigualdade, conforme dados da PNAD. No começo do Plano Real, porém, o aumento do salário mínimo realmente contribuiu para a queda da desigualdade.

      É só pesquisar no blog. Das outras mentiras do texto, posso citar, por exemplo:

      a) o risco Brasil foi alto em 2002 por culpa da eleição do Lula. Como esse sujeito passou 20 anos defendendo calote ou renegociação da dívida externa, o risco Brasil foi subindo à medida em que as pesquisas de intenção de voto feitas em 2002 mostravam que ele ia ganhar.

      b) o risco Brasil declinou de 2003 em diante justamente porque Lula jogou no lixo tudo o que prometeu fazer nos vinte anos anteriores e deu continuidade à política econômica de FHC.

      c) o mesmo vale para a inflação: ela disparou com a eleição de Lula porque o mercado fez ajustes de preços para se precaver quanto a uma possível ruptura na política econômica. Como Lula deu continuidade à política de FHC, a inflação voltou a níveis aceitáveis. Já no governo Dilma, a complacência com a inflação fez essa taxa sair ao controle.

      ENCERRANDO

      O pouco que aconteceu de bom no governo Lula foi a continuação das políticas de FHC num contexto internacional muito mais favorável do que o dos anos 90. Quando o cenário internacional mudou, o resultado é o que vemos no governo Dilma: crescimento fraquíssimo, inflação cada vez maior e aumento do gasto público.

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