segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vilas Rurais como alternativa ao fracasso da reforma agrária

Acabou de sair um artigo na Revista da Anpege que desafina o coro dos pesquisadores do agro que, movidos por uma mistura de agrarismo ingênuo com marxismo, teimam em acreditar que a reforma agrária é a solução para os problemas sociais no campo brasileiro.

O objeto da pesquisa é o Programa Vilas Rurais, instituído no âmbito do Programa Paraná 12 Meses, um amplo programa de desenvolvimento rural que vigorou entre 1997 e 2006, fruto de uma parceria entre o governo do estado do Paraná e o Banco Mundial. O Vilas Rurais visava combater a pobreza no campo e o êxodo rural mediante a distribuição de pequenos lotes de terra (em média, meio hectare) para famílias pobres que vivem na área rural ou nas periferias de pequenos municípios. Daí porque o principal público alvo do programa eram as famílias de trabalhadores volantes ou "boias frias". O diagnóstico que lhe servia de base é o de que, no contexto do "novo rural", as ocupações rurais não agrícolas e urbanas oferecem oportunidades de geração de renda superiores à agricultura, de modo que a pluriatividade constitui a melhor estratégia de sobrevivência para as famílias rurais (Zafalon, 2015).


Ora, os geógrafos rurais, como Bernardo Mançano Fernandes, atacaram o programa com o argumento principal de que, dada a pequena dimensão dos lotes, não era possível às famílias sobreviver da agricultura, o que as transformava numa reserva de mão de obra para o agronegócio e para atividades não agrícolas. Nesse sentido, uma política de reforma agrária seria mais eficiente como forma de combater a pobreza no campo e o êxodo rural. 

Todavia, essa visão negativa do trabalho assalariado fora dos lotes é informada por uma ideologia agrarista e pela teoria marxista da exploração do trabalho, vieses de pensamento que impedem os críticos de perceber que a ênfase na pluriatividade é o maior mérito do Programa Vilas Rurais, tendo em vista que: a) muitos habitantes pobres da área rural e assentados pela reforma agrária não almejam viver da agricultura, algo a que vários pesquisadores já chamaram atenção, e a pesquisa de campo que dá base ao artigo confirmou; b) a rentabilidade da agricultura é hoje muito baixa, pois, devido à modernização agrícola, é preciso produzir em escala considerável para obter uma boa renda vendendo produtos tão baratos.

Tanto isso é verdade que, num texto recente, o próprio Fernandes reconheceu o seguinte:
Nos assentamentos, esse benefício [o Bolsa Família] alcançou 37% das famílias. Com base nos dados do Censo Agropecuário 2006, no Brasil a renda média mensal de uma família assentada era de R$ 500,55, sendo Rondônia o estado com menor renda, igual a R$ 176,54, e São Paulo, com a maior renda, de R$ 1.266,36. Os agricultores não se mantêm com uma renda tão baixa e é evidente que essa reforma agrária não atrairá novos trabalhadores rurais (Fernandes, 2013, p. 197).
Nesse sentido, não há evidência empírica de que a reforma agrária seja mais eficiente do que o Programa Vilas Rurais, ao contrário do que os críticos desse programa afirmam. O que existe é apenas a hipótese de que um modelo de reforma agrária diferente do que foi implementado até hoje poderia gerar resultados melhores do que os obtidos até o momento, como defende Fernandes no texto citado, o que reforça a conclusão de que a crítica à pequena extensão dos lotes nas vilas rurais deriva principalmente de pressupostos ideológicos.

É lamentável que Roberto Requião, em sua última passagem pelo governo estadual, tenha abortado o Vilas Rurais por pura tacanhice ideológica. Mas as Vilas Rurais criadas no governo Lerner continuam existindo e, embora a renda auferida pelos vileiros não seja muito diferente daquela obtida pelos assentados, não há dúvida de que esse programa gerou benefícios sociais ao tirar trabalhadores volantes das favelas, e isso a um custo muito inferior ao da reforma agrária e sem alimentar a violência no campo. 

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FERNANDES, B. M. A reforma agrária que o governo Lula fez e a que pode ser feita. In: SADER, E. (org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil, 2013.

ZAFALON, R. O potencial do Programa Vilas Rurais na promoção do desenvolvimento rural. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege). p.343-371, V.11, n.16, jul-dez.2015.

3 comentários:

  1. Diniz, poderia esclarecer qual seria o modelo de reforma agrária diferente do que foi implementado até hoje, proposto pelo Bernardo Mançano Fernandes no referido artigo? Obrigado;

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    1. Na verdade, ele não esclarece como seria o tal modelo alternativo que o governo Lula não implementou, mas que poderia ter implementado. Diz muito de passagem que as entidades de pesquisa agropecuária estatais deveriam investir para desenvolver "tecnologias adequadas para a pequena escala" (sic), e não passa muito disso. Nesse sentido, a crítica dele ao Vilas Rurais é ideológica porque não encontra respaldo na atual política de reforma agrária e também porque a alternativa que ele postula, além de nunca ter se concretizado, não tem clareza alguma!

      É como eu expliquei no livro POR UMA CRÍTICA DA GEOGRAFIA CRÍTICA. Os autores anticapitalistas gastam muito tempo malhando o que está posto, clamam por mudanças radicais, mas são incapazes de apresentar propostas de políticas públicas claras e detalhadas.

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  2. O que me assusta é quando a realidade "diz" algo importante, mas por razões espúrias de ideologia ela é obscurecida.

    Mesmo não sendo o meu objeto (geografia agrária), bastaram poucas visitas em campo para constatar o seguinte:

    as grandes trocas populacionais ocorreram entre "as microrregiões de Santa Rita do Sapucaí e Pouso Alegre, seguidas de Alfenas e Poços de Caldas, bem como entre Alfenas e Varginha. O autor confere às trocas migratórias internas das microrregiões os maiores números devido à proximidade entre as cidades, assim as populações
    migram a encontrar esperança em outros territórios para a conquista de emprego e melhoria financeira, por exemplo." Pág. 108.

    "Foi possível observar, durante as atividades em campo, que a vinda de empreendimentos corporativos gera pressões às infraestruturas da cidade, como maior fluxo de veículos
    e pessoas às vias inter e intra urbanas, migração de mão de obra entre as cidades e aumento dos custos locais, como aluguéis. Todas essas características
    operam a concluir que a vinda de empresas às localidades pode não gerar os efeitos
    esperados à economia local.
    Assim, por detrás de um discurso em favor dos incentivos fiscais, visto como benéficos para
    toda a sociedade, pode-se esconder um privilégio perverso a um pequeno grupo econômico." Pág. 108.

    Ou seja, ir a campo e trabalhar dados podem confirmar ou refutar muitas "coisas". Já que, ao que tudo parece indicar, a ideologia serve para manter privilégios.

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