terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Reinaldo Azevedo erra ao desconsiderar a economia na recuperação de Lula

Pesquisa do Datafolha mostra que a avaliação do governo Temer piorou muito e que houve um grande crescimento das intenções de voto em Lula e Marina Silva. O primeiro teria mais votos que os outros possíveis candidatos à presidência num segundo turno (embora com vantagens geralmente dentro da margem de erro da pesquisa) e só perderia para Marina. A explicação do jornalista Reinaldo Azevedo para tanto é que, como a "direita burra" investiu na desqualificação da atividade política, acusando todos os políticos de serem indistintamente corruptos, acabou beneficiando a esquerda. Em suas palavras:
Não existe vácuo na política. Se a ideia é reduzir o país a uma grande delegacia de polícia, todos se igualam. No ambiente de terra arrasada, quem tem mais estrutura e experiência acaba obtendo vantagem ou recuperando o terreno. Agora resta à direita burra torcer para que Lula esteja preso até 2018.
Quem sabe a polícia possa conter o perigo que ela própria está criando com a sua… burrice! (Cf.: DESASTRE: direita burra faz Lula recuperar prestígio eleitoral)
Estou de acordo com Azevedo que os movimentos contra a corrupção vêm cometendo muitos erros, conforme se viu nas passeatas do dia 04.12 - aqui, aqui e aqui. Contudo, isso não explica bem a razão de os maiores beneficiados serem Lula e Marina. Afinal, a desqualificação da atividade política também poderia ter ajudado um outsider como Jair Bolsonaro, o qual, com seu discurso populista e truculento, se diz uma alternativa aos políticos tradicionais. Mas não é o que a pesquisa indica, pois esse fascistoide de direita permaneceu com os cerca de 8% de intenções de votos que já tinha antes. Ao mesmo tempo, Ciro Gomes também conta com "estrutura e experiência", não é alvo da Lava-Jato e nem se identifica com o governo Temer. Por que então não se beneficiou da percepção de que todos os políticos são igualmente ladrões? Para terminar, por que justamente Lula, que já é réu três vezes e acabou de ser denunciado pela quarta vez, foi um dos grandes beneficiados pela percepção de que todos são igualmente ladrões? Só "estrutura e experiência" não explica isso.

Na minha avaliação, o que realmente deu força para Lula e Marina foram a piora acentuada das perspectivas econômicas e a oposição deles à PEC do Teto de Gastos. Afinal, depois que os indicadores sobre o segundo trimestre deste ano mostraram uma pequena melhora, sugerindo que a retração da economia poderia estar no fim, descobrimos que o terceiro trimestre foi muito pior do que se esperava. Em relação ao terceiro trimestre de 2015, o PIB encolheu 2,9%, o consumo das famílias caiu 3,4% e o investimento produtivo sofreu uma forte retração de 8,4%. Em função disso, o desemprego, que já atinge cerca de 12 milhões de pessoas, tenderá a aumentar ao invés de estabilizar-se, tal como poderia acontecer se a tendência do segundo trimestre se mantivesse (Coronato; Lima, 2016, p. 61).

Economia pesa mais do que corrupção

A melhora ocorrida no segundo trimestre não foi mérito de Temer, mas a piora que se viu no terceiro também não foi culpa dele (Idem, p. 60). Pois a verdade é que os cortes de gastos efetuados por Temer foram tímidos demais para terem um impacto importante na trajetória de crescimento da dívida pública, e a PEC do Teto ainda não foi nem aprovada pelo Congresso. Tudo o que Temer fez até agora foi recuperar um pouco a confiança do mercado ao prometer que não vai repetir os erros de Dilma (os mesmos erros aos quais ele deu apoio quando era vice dela...). Mas, para a maior parte da opinião pública, a culpa é dele e a saída seria o Estado não cortar gastos ou até gastar mais, tal como Lula defendia nos tempos de Dilma e tal como o PT e a Rede, de Marina Silva, defendem hoje.

É claro que não reduzir os gastos estatais serviria apenas para acelerar a explosão da dívida pública e a consequente queda no abismo, mas o fato é que a opinião pública brasileira, em parte devido à baixa escolaridade da maioria, em parte devido a uma cultura fortemente estatista, acredita que o Estado é sempre a saída para todos os problemas. E o fato de Lula ter uma penca de processos, denúncias e suspeitas nas costas importa pouco para os eleitores que voltaram a simpatizar com o nome dele. Afinal, conforme a Pesquisa Social Brasileira - PESB, os eleitores brasileiros, sobretudo os de baixa escolaridade, amam o Estado e consideram que a fama de corrupto é perdoável para um político se ele supostamente for capaz de melhorar a vida das pessoas (Almeida, 2007).

Em suma, a percepção de que todos os políticos são corruptos ajuda a explicar a queda da avaliação do governo Temer, mas não explica a recuperação eleitoral de Lula e nem a ascensão de Marina. É a gravidade da crise econômica que explica isso. Logo, não adianta Reinaldo Azevedo ficar o tempo todo repetindo "acertei!, eu bem que avisei!" e coisas do gênero. Pois, ainda que os movimentos contra a corrupção não tivessem errado ao ver ameaças à Lava Jato na Lei do Abuso de Autoridade e ao acharem que Marco Aurélio fez bem em desrespeitar a lei e o regimento do Supremo para afastar Renan Calheiros, a piora da avaliação do governo Temer e a ascensão eleitoral de dois políticos bastante identificados com a ideia de um Estado demiurgo iriam acontecer do mesmo jeito.

CQD - Acabei de ler que, segundo o Datafolha, 60% da população é contra a PEC do Teto.

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ALMEIDA, A. C. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007.

CORONATO, M.; LIMA, L. Ainda  não paramos de afundar. Época, n. 964, p. 60-62, 5 dez. 2016.


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