sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Revista Galileu faz péssimo dossiê sobre a crise nos presídios

A revista Galileu já foi boa; hoje, é um lixo. Uma demonstração disso é o "Dossiê Prisões" (Tanji, 2016), matéria do mês passado que nada tem de divulgação científica e que, ainda por cima, reproduz informações estatísticas falseadoras e dogmas ideológicos disfarçados de ciência. 

Com efeito, a ideia central do dossiê é que o problema prisional brasileiro se deve ao suposto fato de que o Estado não investe o suficiente em programas sociais e pratica uma política intensiva de encarceramento de pessoas, combinação essa que só levaria a mais violência e injustiça. Mas tal conclusão, que é um dos dogmas sagrados da esquerda, está errada por muitas razões. Vejamos três delas:

1. O truque dos números absolutos

O artigo apresenta um gráfico, com dados do Departamento Penitenciário Nacional - Depen, que coloca o Brasil como "o quarto país do mundo com maior população carcerária" (Tanji, 2016, p. 28). Todavia, o jornalista Felipe Moura Brasil já desmascarou esse truque estatístico em vídeo e em texto. Vejamos:
[Em 23 de julho de 2013] o então ministro José Eduardo Cardozo conseguiu emplacar na imprensa – em pleno período de discussão sobre a redução da maioridade penal, quando interessava ao PT pintar um quadro de inviabilidade para o aumento do número de detentos – a notícia de que o Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, com 607 mil presos, ficando atrás apenas de China, Estados Unidos e Rússia.
Acontece que o Brasil tem a 5ª maior população do mundo, atrás apenas de China, Índia, EUA e Indonésia, de modo que ficar em 4º em número absoluto de presos é absolutamente natural (texto completo aqui).

2. O truque dos números proporcionais

O truque simplório do ministro de Dilma já foi desmascarado há anos, mas a Galileu não só repetiu o truque como ainda concluiu, com base num gráfico com dados do Depen, isto: "Brasil é o sexto país com a maior taxa de presos por 100 mil habitantes entre as nações com mais de 10 milhões de pessoas". 

Comparar o Brasil só com os países com mais de 10 milhões de habitantes é uma manipulação estatística ainda mais tosca, e por uma razão evidente: quem disse que os países com mais de 10 milhões de habitantes são os que apresentam a maior proporção de população carcerária na população total? Se é para provar que o Brasil prende demais, o correto é compará-lo com todos os países do mundo. A desculpa esfarrapada que o governo Dilma deu para esse critério de seleção de países, num relatório de abril de 2016, foi a seguinte:
Quando a população analisada é muito pequena, a variabilidade das estimativas se torna muito alta. Uma única pessoa presa nas Ilhas Seychelles, que tem 92 mil habitantes, terá impacto muito grande na taxa. A população de Seychelles não tem sequer o número de habitantes utilizado para calcular a taxa e esse país aparece, por sinal, com a maior taxa de presos por 100 mil habitantes [...] (citado por Felipe Moura Brasil). 
Mencionar o exemplo atípico das Ilhas Seychelles só serve para confirmar que o corte de população total escolhido foi planejado propositalmente para criar a falsa impressão de que o Brasil está entre os países que mais prendem criminosos, pois há dezenas de países com população entre 1 e 9 milhões de habitantes que encarceram mais do que o Brasil como proporção da população. De fato, no ano de 2016, segundo o Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil ocupava a 32ª posição no ranking dos países segundo o critério de número de presos para cada 100 mil habitantes.

Para completar, em nenhum momento a Galileu informa que, no Brasil, apenas 8% dos homicídios são solucionados pela polícia, de modo que só 5% a 8% dos assassinos vão para a cadeia. Será mesmo que prendemos mais do que deveríamos? Ora...

3. O Brasil prova que desigualdade não gera violência

Como é que uma revista de divulgação científica publica uma matéria cheia de manipulações estatísticas fabricadas por um governo de esquerda? Resposta: porque a Galileu trocou a divulgação científica pelo proselitismo ideológico travestido de ciência. A prova cabal está nesta afirmação: 
Como em um ciclo vicioso, a ausência de medidas do Estado para garantir investimentos sociais acentua as desigualdades, não diminui os crimes e só faz crescer o depósito de rejeitados pelo sistema (Tanji, 2016, p. 29). 
Conforme eu demonstro no livro Não culpe o capitalismo, o Brasil é a prova empírica de que essa relação direta de causa e efeito entre investimento social, desigualdade e violência é falsa. As séries históricas do Mapa da Violência e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, provam que, no Brasil, houve uma explosão do número de homicídios no período 2001-2011, muito embora o índice de Gini da concentração de renda tenha caído após o Plano Real, particularmente nos anos de 2001 a 2010 (é de 2011 a 2014 que esse processo cessa e é revertido). E isso sem falar que, no mesmo período de 94 em diante, milhões de pessoas superaram a linha de pobreza (Diniz Filho; Heidrich; Lima, 2015).

Para encerrar, vale dizer que essa explosão de violência, ocorrida num período de queda da pobreza e da desigualdade, só não foi pior por causa da forte redução da taxa de homicídios no estado de São Paulo, a qual passou de 41,8 por 100 mil habitantes, em 2001, para 13,5, em 2011 (idem, p. 74). Mas o que a Galileu diz sobre São Paulo? Somente que a população carcerária desse estado representa 35% da população carcerária total do país... E assim o leitor dessa revista "científica" ficou sem saber que foi o aumento da eficiência do trabalho policial em São Paulo, com o consequente aumento das prisões, que fez a taxa de homicídios despencar!

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DINIZ FILHO, L. L.; HEIDRICH, A.; LIMA, F. R. F. Não culpe o capitalismo. Editor: Fernando Raphael Ferro de Lima, 2015.

TANJI, T. Dossiê prisões. São Paulo: Globo, Revista Galileu, n. 305, dez. 2016.

3 comentários:

  1. Caro Professor!
    Este caso é mais um dentre vários. A matéria citada parece ter sido feita por jornalista, não por cientista. Assim, as conclusões são predeterminadas e repleta de conceitos distorcidos. Tratando-se de jornalismo, vide o caso de violência ocorrendo na grande Vitória, qual sequer a imprensa não enfoca. Quebra qualquer discurso socialista. Ou os marginais são vitimas da sociedade e estou completamente equivocado? A violência está justificada por vivermos num sistema de capital?

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    1. Você captou muito bem a ideia, Martinho! Uma revista de divulgação científica pode tratar da crise dos presídios sem problema, mas, se a ideia é fazer divulgação científica, o fio condutor da matéria tem de ser alguma teoria, pesquisa científica ou polêmica científica que se aplique ao caso. Mas não é o que acontece. Aquela matéria poderia muito bem ter sido publicada numa revista política qualquer, já que, ali, não é dado nenhum destaque especial à ciência. No máximo, o jornalista cita um ou outro especialista que defende a visão que ele quer defender e dá ao tal especialista o mesmo destaque que se dá a opiniões de especialistas em revistas de assuntos políticos. E, o pior de tudo, trata-se de uma matéria politicamente enviesada, na medida em que os dados estatísticos que supostamente lhe dariam um estofo de divulgação científica são manipulações fabricadas por um governo petista para engabelar as pessoas. Uma pena. Essa revista já foi boa.

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  2. Perfeito, fazem uns quatro meses que deixei de seguir esta revista, já fui assinante é uma pena, isso reforça meu ponto de vista até mesmo quanto a editora responsável. Seguia a revista na rede social pelo interesse nas noticias sobre astronomia, mas meu fed era inundado de matérias da seção comportamento com falácias de estudos de gênero, machismo e patriarcado. Para completar o texto ainda cito um estudo de um canadense com a Hipótese PCC para queda da criminalidade em SP, o PCC "organizou" o crime, diminuindo disputas entre criminosos. O que excluiria qualquer ação do Estado para diminuição na queda de homicídios. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160210_homicidios_pcc_tg

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