Dica de Livro 1

Luis Lopes Diniz Filho. Fundamentos epistemológicos da geografia. Curitiba: IBPEX, 2009 (Coleção Metodologia do Ensino de História e Geografia, 6).

Esse livro é uma obra didática dirigida a alunos de graduação e pós-graduação em geografia, bem como a professores inseridos em cursos de formação continuada. É recomendável também para profissionais de outras áreas que desejem fazer pós-graduação em geografia, tais como turismólogos e urbanistas. Seguem abaixo algumas passagens do último capítulo, as quais demonstram que é possível escrever materiais didáticos que apresentem uma pluralidade de visões sem que o autor tenha que deixar de ter posições teóricas e metodológicas próprias. No final da página, são apresentados também alguns trechos de um parecer sobre o livro.


Excerto


Como vimos nos últimos capítulos, cada nova "revolução" científica da geografia reinterpreta o passado de um modo tal que as correntes de pensamento anteriores aparecem quase como se fossem etapas de uma evolução que culminaria com a chegada de uma corrente que é vista como a única realmente científica. Esse tipo de leitura foi particularmente enfática durante o surgimento e consolidação da geografia crítica, cujas contestações às demais correntes não são apenas epistemológicas, mas também éticas e ideológicas.

Neste livro, procuramos fugir desse viés e apresentar as principais correntes da geografia – tradicional, quantitativa, humanista e crítica – como propostas de estudo cujos temas continuam atuais, embora os métodos e objetivos das pesquisas sejam sempre repensados em função de transformações históricas e de dilemas epistemológicos que todas as correntes possuem. Nesse sentido, embora possamos dividir a história da disciplina em fases marcadas pela predominância relativa de determinadas tendências de pensamento, todas elas continuam presentes na academia e no ensino de geografia, já que levantaram questões e sugeriram pontos de vista explicativos que mantêm seu interesse para as gerações atuais. As tendências contemporâneas à revalorização dos clássicos e à diversificação e combinação de referenciais teórico-metodológicos, iniciada com a crise do marxismo, nos dão uma boa medida disso.

Mas não se trata de dizer que, sendo assim, devemos adotar uma postura relativista, segundo a qual uma teoria é tão boa quanto qualquer outra, já que todas teriam razão a seu modo. Em vez disso, procuramos mostrar a necessidade de elaborar uma epistemologia adequada para formular uma questão (um objeto de estudo) e para dar a ela uma resposta que possa ser qualificada como verdadeira à luz dos parâmetros que definem o que é verdade dentro da epistemologia utilizada. Por exemplo, se eu quiser explicar a influência da natureza na história de um povo e trabalhar com a visão de que explicar um fenômeno significa descobrir uma relação necessária de causa e efeito entre os fatores, então terei de demonstrar, com lógica e evidências, a causalidade que o meio natural representa para a história desse povo. Já se eu estudar a expansão das favelas numa cidade brasileira para demonstrar que é a lógica da acumulação de capital que engendra esse processo, terei que me valer de evidências e de proposições racionais (dialéticas) para demonstrar a correspondência entre a teoria marxista do valor, o processo histórico de formação de favelas e as lutas políticas que ocorrem nessas áreas. Mas tanto num exemplo quanto no outro terei produzido teorias que precisam necessariamente ser julgadas, postas à prova pela avaliação da coerência interna das proposições e pela adequação das conclusões às evidências apresentadas.

Sendo assim, é perfeitamente válido tecer críticas que negam totalmente determinada teoria e propor uma alternativa teórica que possa ser mais eficaz. O que não se pode fazer é descartar completamente todas as teorias produzidas por uma ou várias tendências de pensamento com base apenas nos questionamentos de uma epistemologia específica contra a cientificidade das outras. Ou ainda, pressupor que as teorias derivadas de um determinado referencial teórico-metodológico tendem a ser verdadeiras simplesmente porque os defensores desse referencial atribuem a ele uma objetividade absoluta, por mais convincentes que os argumentos desses defensores possam parecer. É para evitar esses posicionamentos apriorísticos que devemos aceitar a pertinência e a convivência de diversas correntes de pensamento dentro de uma disciplina científica, ou mesmo a possibilidade de combinar elementos de tendências diversas para construir um objeto e explicá-lo (p. 223-227).


Parecer sobre o livro

O parecerista contratado pela Editora IBPEX para avaliar a obra (e cujo nome não conheço, como é de praxe) fez comentários que confirmam ser possível produzir materiais didáticos fiéis ao compromisso com a neutralidade na exposição de conteúdos. Vejamos uma passagem do parecer:
"[O livro] é coerente na conclusão, embora esta poderia ser mais enfática e pessoal. O autor é bastante sisudo, parece querer não opinar, exagerando, no meu entendimento, em fazer resumo dos autores. Poderia se soltar dando sua opinião mais pessoal (mas isso é questão de estilo; outro parecerista poderia achar neste estilo uma grande virtude)".
Fiquei bastante satisfeito com esse comentário. Embora o parecerista tenha dito que sua inclinação pessoal era por um livro com mais posicionamentos do autor, confirmou o sucesso do meu esforço consciente e deliberado de restringir as interpretações pessoais ao máximo para pôr em relevo as visões de geografia dos autores comentados.

Mais adiante, o autor do parecer confirma isso ao escrever que a obra "evita conclusões enfáticas (o que é bom), mas por outro lado quase não se posiciona". Meu objetivo era realmente me posicionar o mínimo possível, pois creio que um livro didático não existe para ensinar aos estudantes que o autor é quem está com a razão sobre os assuntos tratados, mas para oferecer aos alunos um mapa dos caminhos possíveis a serem explorados no estudo desses assuntos.